sexta-feira, 5 de março de 2010

As comunidades culturais dos bairros periféricos enquanto Quilombos: refletindo no contexto urbano sobre o texto de Dirceu, A Importância do Mundo Quilombolala, ou, de como se pode criar (ou já está em andamento) um Quilombismo Urbano



Por Edson Bezerra




Para Geraldo Majella, também ele um aprendiz das coisas de negros.


Sendo quase que em sua maioria a cultura popular alagoana tributária das raízes das culturas negras dos negros alagoanos, as comunidades dos bairros periféricos [1] que atualmente se proliferam aos arredores da cidade articuladas sob a dominância das culturas populares alagoanas, se constituem em verdadeiros quilombos urbanos, uma vez que, entre as manifestações dos afro-alagoanos – sejam estas religiosas ou das culturas populares – todas elas se enquadram em uma linhagem - mesmo que disto não se tenha ainda uma consciência clara - nos remetem para o utópico universo do Quilombo dos Palmares. Bem entendido, trata-se aqui de se alinhavar uma tradição, ou melhor, de criá-la, no sentido de que uma tradição tanto pode ser construída – e Palmares é disto um exemplo seminal – como também, inventada, e é justamente disto, de uma invenção que estamos falando.


É neste contexto que devem ser entendida as dezenas de comunidades dos bairros periféricos, as quais, fazendo uso de manifestações arcaicas, residuais e emergentes, nos últimos anos vêm se desenvolvendo em uma linha de memória que nos remete à Palmares. Com esta compreensão, diferentemente das dezenas de comunidades quilombolas que atualmente vêm se construindo enquanto uma comunidade de memória na luta pela terra, os quilombos urbanos vêm se desenvolvendo seja através de na incorporação de elementos arcaicos, - caso das manifestações religiosas sendo exemplar neste sentido a reinvenção do Maracatu a Corte de Airá pela Casa Hùnkpàmé Alàirá Izó (Palácio Real do Senhor do Fogo) de Pai Elias, da prática da capoeira – ou através das manifestações culturais emergentes na modernidade, as quais, através da vivência dos hip-hop, dos grupos percussivos, dos grupos de danças afro ou ainda, das bandas de reggae que nos últimos anos têm se proliferado pelos bairros periféricos da cidade. Com esta compreensão, todas estas agências, sociologicamente situando, são quilombos urbanos, e seus sujeitos, quilombolas, quilombistas urbanos, os quais, além ou aquém da cor da pele tem construído no coração da modernidade em Maceió enquanto uma cidade apartada em duas metades,  espaços de uma possível utopia através de suas práticas quilombistas.

Bem entendido, é justamente neste sentido que deve ser contextualizada a prática de um Rogério Dias do quintal cultural na Vila São Francisco nos imprensados espaços entre a Vila Brejal e o bairro do Bom Parto; a militância de um Ari Consciência em sua trajetória na construção de uma consciência negro-periférico a partir do reggae, de um Luís de Assis da banda Vibrações, de um Nonato Lopes da Associação Cultural da Zona Sul no Vergel do Lago, de um Zazo e de um Mano na articulação dos grupos de hip-hop das periferias, de um Mestre Girafa  do Muzenza na prática da capoeira, de uma Paulinha e seus Malungos do Ilê de uma Sirlene Gomes e de uma Viviane Rodrígues na Cepa, de uma Mãe Vera e seu Abassá de Angola  e das articulações de  Mãe Neide através de seu Àrá Funfun Omanjéré, Centro de Formação e Inclusão Social Inaê. . E poder-se-ia então perguntar: por que ou por quem eles lutam?

Ao contrário dos quilombos modernos situados nas entranhas dos agrestados e dos sertões alagoanos, eles, os quilombistas urbanos, assim como aqueles também herdeiros de Palmares, ao contrário daqueles, não lutam pelo reconhecimento de sua identidade de negros periféricos através da luta pela posse da terra. Por que e por quem eles lutam, é em busca de reconhecimento de uma identidade negra a partir do coração de nossa modernidade, e, em suas lutas, em suas danças, em suas cores e em suas narrativas, o que eles vêm construindo, é uma memória de uma identidade que nos remete a Palmares em sua busca de uma sociedade mais justa e mais fraterna e, enquanto tal, por uma multiculturalidade afro-alagoana aqui e agora situada em uma cidade que exclui e que segrega os jovens negros pobres e periféricos ao sumidouro do esquecimento e assim eles têm se colocado enquanto uma possibilidade de uma redenção do ato criminoso quando do ato da Abolição e de seu ato criminoso de não dar aos negros as condições de sobrevivência de que nos fala o mestre Dirceu Lindoso. Sobre o por  que eles lutam, sejam dançando, cantando ou  batucando, é uma luta por justiça e cidadania e, eles, todos eles, também são tributários não apenas do negro Zumbi e de toda a herança utópica de Palmares, mas também, de todos os negros alagoanos – do negro Marcelino Dantas, de Edson Moreira, de Zezito Guedes, do negro Aldo, de Edu Passos, de Mestre Jacaré – e de tanto outros, os quais, há décadas - quando falar em cidadania de negro era ousadia de negros de Senzala - se doaram de corpo e coração para que hoje estivessem emergindo das margens no coração de nossa modernidade, uma cultura negra, a qual, embora ainda que periférica, vêm emergindo em júbilo pelas periferias da cidade mas que todavia,  um dia explodira todas os cantos da cidade fazendo cumprir assim a profetiza da Tia Marcelina em seu dizer quando na hora de seu massacre: bate, bate, vocês matam o corpo mas não a sabedoria.

Então é isto, quem viver verá.

Notas:
[1] - Quintal Cultural (Vila Brejal), Cepa (Jacintinho), Guerreiros da Vila (Sítio São Jorge), Comunidade Jardim Alagoas (Próximo ao Sanatório), Comunidade Vila Brejal (Vila Brejal), Revolucionarte (Vergel do Lago), Comunidade Vila dos Pescadores (Vila dos Pescadores), Sururu e Arte (Cruzeiro do Sul), Grupo Cultural Muzenza (Desenvolvem atividades nos bairros do Clima Bom, Conjunto José da Silva Peixoto, Feitosa e Benedito Bentes), Centro Cultural e educacional do Benedito Bentes (Benedito Bentes), A Corte de Ayra (Grota do Arroz), Núcleo de Cultura afro-brasileira Iya ogum-te Casa de Iemanjá (Ponta da Terra), Axé Zumbi (Vergel do Lago), Núcleo Cultural da Zona Sul (Vergel do Lago), Comunidade Sururu de Capote (Comunidade Sururu de Capote), Comunidade Cidade Sorriso 1 ( Cidade Sorriso), Comunidade Santa Maria (Antiga cidade de lona), Cepec: Centro de Educação Popular e Cidadania: Benedito Bentes, Malungos do Ilê (Bebedouro), Oju omim omorewá (Jacintinho), Afro-Caete (Jaraguá), Ioruba (Vergel do Lago), Sua Majestade o Circo (Vila Emater 2). 

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